domingo, 23 de junho de 2013

Explicação não técnica sobre a PEC 37. Eu disse NÃO TÉCNICA!


          Antes de tudo, quero deixar claro que este texto não tem nenhuma pretensão jurídica, como ficará claro já no proximo parágrafo. É uma redução bem simplista do sistema de persecução penal brasileiro. Não me atreverei a analisar jurisprudências, desvios das instituições em pauta, terminologias torcidas ao extremo ou me pautar em teorias rebuscadas do juridiquês, que mantém os não afetos ao Direito bem longe dele. Para esses eu escrevo. Caso haja algum erro grosseiro na descrição dos procedimentos na visão dos jurisconsultos, alterarei conforme necessário e sugerido.

Comecemos com 3 conceitos:

1 - investigação: segundo o dicionário, “s.f. Verificação de um fato por meio de informes obtidos em diversas fontes; Indagação pormenorizada; Inquirição; Pesquisa”. O detetive contratado pela esposa para verificar se o marido a trai realiza uma investigação.

2- Investigação Policial: é espécie de investigação. Definida pelo Código de Processo Penal basicamente.

3-Inquérito Policial: procedimento administrativo. Não tem ligação nenhuma com Judiciário, é procedimento anterior ao processo penal. NADA DE JUSTIÇA AINDA. Tem como objetivo formalizar a investigação policial, e legalmente se confunde com ela. Teoricamente pode (e deveria na verdade) existir inquérito sem investigação, mas é coisa rara. Peça meramente informativa.

O inquérito não é tirar fotos, achar testemunhas, ouvir telefonemas ou analisar gravações de câmeras de segurança: ele distribui as tarefas de fazê-los (pedidos de perícia, identificação, ofícios e suas respostas, diligências), pega essas informações e “passa para o papel”, na forma e prazos determinados em lei.
Depois de tudo junto, a autoridade policial (hoje chamada de delegado) faz um relatório, resumindo tudo que foi investigado, coloca no inquérito e remete ao Ministério Público. O promotor ou procurador então avalia este documento e decide o que fazer. Simulemos a seguinte situação:

Deuzoli foi num pagode. Chegando lá encontrou um “ex-peguete”, o Facebookson, que a vendo bela e faceira, sentou-se em sua mesa com “segundas intenções”. Vendo que não iria arrumar nada, aproveitou momento que ela se afastara, pegou um telefone que estava na bolsa de Deuzoli e foi embora. Ao voltar à mesa e perguntar por ele, Deuzoli é informada por amigas que ele pegara o celular e fora embora. Deuzoli dá falta de seu smartphone.

Informada do acontecido, a polícia investiga. Terminada a investigação, já na forma de inquérito. O relatório entregue ao MP pode apresentar 3 situações:

1-      o telefone foi furtado e Facebookson o furtou:  
a.      Se entender satisfatório o relatório, o MP DENUNCIA Facebookson. O Juiz avaliará se cabe a acusação. Se aceitar, Facebookson passa de SUSPEITO/INDICIADO a ACUSADO e será PROCESSADO. Agora estamos em âmbito judicial.
b.      O MP entende que o inquérito, apesar de apontar Fecebookson, não mostra de fato que foi ele. Pode mandar voltar à Polícia ou pede para o Juiz arquivar.

2-      o telefone foi furtado, mas não se conclui que foi Facebookson:
a.       O MP pode pedir ao Juiz para arquivar por não haver indícios da autoria;
b.       O MP pode mandar de volta à Policia para novas investigações, tentando identificar quem efetivamente o furtou.
c.        O MP pode obter outras provas – como as oferecidas pela suposta vítima - e denunciar Facebookson.

3-      o telefone não foi furtado; o aparelho era de Facebookson e Deuzoli perdera anteriormente o seu:
 -      O MP pede ao Juiz que arquive o inquérito.

O MP SEMPRE decide se vai levar à Justiça ou não, é seu papel. A investigação policial, formalizada no inquérito, é base para o MP decidir se leva à frente ou não, mas não é necessário para iniciar o processo, podendo até descartar. E recebido o inquérito, o MP pode entender que outras informações ajudam a consolidar a denúncia – como notícias, nomes de possíveis testemunhas ou documentos que ele mesmo pode pedir a outros órgãos, empresas ou pessoas – e assim complementar os dados para fazer a denúncia.
Lembra do conceito de investigação? O MP investigou tanto quanto a Polícia, mas esta fez a INVESTIGAÇÃO POLICIAL e aquele uma investigação em sentido amplo, complementar à policial. Nós também podemos investigar. Quer ver?
   Dois dias depois do fato, Deuzoli consulta um amigo advogado, que lhe aconselha: com todos esses dados na mão, vá direto ao MP que o procedimento será mais rápido. Não tem mais o que investigar.
Chegando lá o promotor pergunta se ela tem como provar o que alega. Ela oferece o seguinte:
1-      nome, endereço e RG de 5 amigas que viram o fato.
2-      cópia do vídeo mostrando o furto, obtida com pedido simples ao dono da casa.
3-      Foto dele tirada no dia seguinte e postada nas redes sociais NAS CONTAS DELA, com aparelho similar ao furtado aparecendo (foto no espelho). A foto também fora encaminhada para sua conta, pois seu dispositivo carrega “na nuvem” a foto recém tirada, tendo local, data e hora da mesma.
4-      Número do telefone que ele usa com o aparelho, pois o mesmo conta com o sistema que informa remotamente o número do novo chip inserido.

            Bem, Deuzoli fez a investigação dela, apresentando autoria (Facebookson) e materialidade (a foto, o vídeo e testemunhas). Não precisou de Policia para obter as provas.
              Deuzoli fez investigação? SIM.
              Deuzoli fez investigação policial? NÃO.
              Deuzoli indiciou alguém? NÃO.
              Deuzoli relatou inquérito? NÃO.
              O MP pode denunciar (levar Facebookson à Justiça)? SIM

           Esse é o cerne da PEC 37. A partir dela, SOMENTE A POLÍCIA PODE INVESTIGAR, E SOMENTE O DELEGADO DE POLÍCIA PODERÁ DIZER AO MINISTÉRIO PÚBLICO SE ALGUEM COMETEU UM CRIME OU NÃO. O MP só poderá concordar e denunciar ou discordar e arquivar.
            Observe que não é proibição de INVESTIGAÇÃO POLICIAL, mas sim de INVESTIGAÇÃO. Nem nos crimes de ação condicionada à representação, como estupro, poderão chegar direto ao MP, mesmo que a vítima tenha todas as provas em suas mãos. O texto da emenda que altera o Art. 144 da CF:

"A apuração das infrações penais de que tratam os §§ 1º e 4º deste artigo, incumbem privativamente às polícias federal e civis dos Estados e do Distrito Federal, respectivamente". (grifo meu)

            Sabe o exemplo que dei acima, de Facebookson e Deuzoli? Pois é. Precisará passar pela Polícia, cumprir os prazos do inquérito, para que o Promotor avalie o relatório e então oferecer denúncia para o Juiz e levar Facebookson ao tribunal. Se não for assim a Justiça DEVE anular o processo e as provas. Não interessa se ele pegou mesmo ou não o telefone.
            O controle da Polícia é feito pelo MP, mas o controle de legalidade tanto do inquérito quanto das provas apresentadas pelo MP no processo são feitos pelo Juiz. Para se “grampear” alguém é necessário informar o Juiz e ter a autorização dele. Seja a Polícia, seja o MP ou  particular, se não tiver tal autorização, comete crime.
            A importância da investigação policial – hoje traduzida no inquérito policial – não está em ser “dona” da verdade, de praticamente escolher o que o MP vai ouvir: está em investigar crimes que exijam conhecimento e recursos específicos e especializados. A polícia passa a ser imprescindível por isso, por saber e poder – em tese – investigar melhor do que qualquer outro.
            Já a importância de não haver a exclusão não apenas do MP na investigação – o IBAMA não mais poderá investigar crimes ambientais descobertos em seus procedimentos administrativos ou a Receita Federal o contrabando, descaminho e evasão de divisas – é justamente que alguns elementos têm maior capacidade de investigar do que a própria Polícia em situações específicas. Ou alguém acha que a Polícia conseguiria tantas testemunhas e provas de tamanha qualidade como Deuzoli conseguiu contra Facebookson?
              Resumindo: hoje uma pessoa pode ser levada à Justiça sem inquérito policial. Basta que o MP entenda ser possível provar que houve o crime e que o acusado foi quem o cometeu com as informações que tem nas mãos, através de alguma investigação que não foi policial; com a PEC isso se torna impossível, pois nenhuma informação chegará nas mãos do MP sem passar pela Polícia antes, sob pena de não valer na Justiça.
            Obs: os tais “§§ 1º e 4º” citados no texto da PEC referem-se aos crimes investigados atualmente pelas Polícias Civis e Federal, ou seja: praticamente todos os civis.

Referências:


Todos acessados em 23/06/2013 às 21:31